a Lu vem aqui uma vez por semana. com o
passar do tempo e as habilidades de cada uma nos entendemos assim: eu faço o
serviço pesado e ela a arrumação geral. nenhuma de nós gosta muito de grandes
esforços mas como a principal interessada sou eu, acabei assumindo a parte
trash da faxina.
as vezes me acho meio tonta, as vezes me
acham meio burra, mas mesmo assim permaneço nessa ligação que ultrapassa os
desencontros domésticos. normalmente terças e sextas são os dias escolhidos. as
sextas são minhas, com variação de um dia para mais ou um dia para menos; as
terças são dela, certeiras.
há muitos anos tenho playlist para as horas
de dedicação aos afazeres. ele muda conforme o tempo. insiro músicas novas,
tiro outras. vario.
desde a primeira fita gravada para esse fim,
faço opção por músicas de dançar. composições que dão ânimo, que puxam da
cadeira, que inspiram movimentos. não raro a vassoura vira microfone, a cozinha
palco e monto show exclusivo aos vizinhos do prédio ao lado.
hoje iniciei repertório novo; entre outros, Ray
Charles. feliz da vida a esfregar o chão tive a ingênua ideia de ensaiar uns
passos. sabão, piso molhado e soul são coisas que não combinam. podia ter
descoberto isso no primeiro escorregão, mas a revelação só veio quando eu
estava estatelada no chão.
na agulha o Ray, rei, ria: “hit the road, Jack”.
vamos precisar de um novo time!
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